sábado, 31 de agosto de 2013

A VÍTIMA POR TRÁS DA DELIQUENTE: EXPERIÊNCIAS PASTORAIS COM DOENTES MENTAIS PRESAS

O bolo de chocolate tão desejado 
Aos 29 anos, S.S.S teve a primeira festa aniversário, organizada pela Pastoral Carcerária em 30 de agosto. O sorriso fácil esconde uma trajetória de sofrimento, agravada pela associação da doença mental com a dependência química. Presa há dois anos, a jovem vive isolada na penitenciária Ana Maria do Couto (Cuiabá), sem atividades, contato com outras presas ou apoio familiar: “Eu não tenho nada para fazer, ninguém para conversar”, diz.

Estima-se cerca de 50 mil doentes mentais em unidades prisionais comuns no Brasil. Porém, o próprio DEPEN não sabe a quantidade exata, situação que pode ocultar prisão ilegal de pessoas considerados imputáveis pela Justiça e que deveriam estar em casas de custódia. “Como o Governo fechou os hospitais, os doentes mentais estão jogados pelas ruas, estão sob os cuidados das famílias – que nem sempre tem como ou sabe como lidar com este tipo de situação – ou nos presídios”, denunciou o psiquiatra Juberty de Souza, no Fórum de Urgência e Emergência em Psiquiatria, em fevereiro.

O resultado de uma política perversa, onde o doente mental é colocado em situações ainda mais desumanas que dos encarcerados comuns, pôde ser visto na vida de S.S.S, encontrada seminua, dormindo no chão de uma cela imunda, sob efeito de fortes medicamentos e impedida de ter objetos indispensáveis, como agasalho, colchão e material de higiene, tudo em nome da “segurança”. Situação tão degradante que a Pastoral Carcerária passou a intervir, reclamando insistentemente por melhores condições para a paciente.  

O fato é que nos últimos meses S.S.S melhorou. Se antes não reagia, hoje espera ansiosamente pelas “irmãs” da pastoral.  Ganhou atenção especial dos sacerdotes e nos serviços de escuta. Aos poucos foi revelando a vítima por trás da delinquente: a infância violenta, o abuso sexual, o contato precoce com as drogas, a vida nas ruas, o filho único entregue compulsoriamente a adoção, a imensa saudade do irmão e, finalmente o “B.O” – maneira com a qual se refere a tentativa de homicídio contra a mãe quando estava sob efeito de drogas, combustível de sua insanidade. Sofrimento que não esqueceu no dia de sua primeira festa de aniversário.

A simplicidade da reunião, com cerca de 16 mulheres, tornou ainda mais bonitas as demonstrações de carinho das colegas de prisão, dos visitantes religiosos e de alguns agentes penitenciários, enfermeiros e policiais, visivelmente comovidos com um dos raros momentos de humanização em uma unidade muito tensa.  
Mulheres presas organizam espaço para recebe a aniversariante

Infelizmente, dia 30 de agosto foi uma exceção na vida de S.S.S. As condições de moradia não são das melhores e a paciente precisa de atividades, socialização e acompanhamento psiquiátrico, especialidade em falta no SUS. Sem consultas e medicação apropriadas, a paciente pode sofrer uma nova crise, colocando todo o progresso conquistado até aqui a perder.

 
Paciente mental no dia da festa  com a agente pastoral carcerária Rosana,
em um dos raríssimos momentos em contato direto com as pessoas.